Comemora-se este ano o 50º aniversário de um dos piores genocídios do século XX, mas quase ninguém quer falar disso. Por quê?
Simplesmente porque a ideologia que deu origem a esse massacre continua a ser defendida e apoiada em numerosos círculos intelectuais do Ocidente, decididos a se afastarem tanto quanto possível da Civilização Cristã e da cultura católica que lhe deu origem. Referimo-nos ao Camboja e ao massacre executado pelo Khmer Vermelho, grupo comunista cambojano que já então defendia ideias ecologistas radicais.
Contribua com qualquer valor para o site "Cristãos Atrevimentos" Quero Doar Tudo o que ocorreu no Camboja foi preparado nas universidades do Ocidente. Os líderes comunistas cambojanos tinham estudado em Paris. Pol Pot estudava electrónica, Ieng Sary ciências políticas, Khieu Sampan e Hou Yon tinham doutoramento pela Universidade de Paris. O primeiro e o último tinham algum parentesco com a família real. Outros Khmers Vermelhos eram pessoas da mais alta elite. Por exemplo, «Thiounn Thioeunn, Ministro da Saúde do Khmer Vermelho e a sua mulher, Mala, eram herdeiros das duas famílias aristocráticas mais ricas do Camboja» [1]. Ele e ela criaram uma doutrina pior que a do comunismo «clássico», pois continha um igualitarismo muito mais radical.
Quando subiram ao poder no Camboja, em 1975, começaram a pôr em prática a sua ideologia mortífera. Antes de tudo, mandaram todas as pessoas sair das cidades e instalar-se em comunidades rurais, onde nada existia de privado nem de vida intelectual. As roupas tinham que ser iguais para todos, assim como a comida. O trabalho manual era obrigatório e não havia dia de descanso. Obviamente começou logo a morrer muita gente (doentes, idosos, feridos de guerra, crianças necessitadas de assistência médica, etc.) mas estas mortes não incomodavam nada os comunistas. Toda a actividade religiosa, cultural, artística ou económica (que não fosse o trabalho no campo) foi eliminada e quem fosse membro de qualquer tipo de elite, cultural ou social, começou a ser exterminado. Ou seja, matava-se quem tivesse algum grau universitário, quem falasse francês (símbolo de cultura), quem fosse médico, professor, monge budista (de 2.500 apenas 70 sobreviveram), sacerdote, funcionário público (por saber como se organiza uma sociedade), estudante, dançarino tradicional (de 2.600, somente ficaram 250). Na prisão de Tuol Sleng, especializada em matar a elite, entraram 17.000 presos. Apenas 6 saíram vivos. Mataram um rapaz só porque era porteiro de um edifício do governo [2]. Liquidavam-se pessoas que poderiam vir a ser «burgueses» [3]. Em alguns casos extremos chegavam a matar todos os que sabiam conduzir automóvel. Os médicos foram sistematicamente eliminados: de 943 apenas uns 50 sobreviveram, ou seja, 5%.
A economia do país foi completamente arruinada. O dinheiro e todo o sistema bancário foram abolidos desde o primeiro dia. Apesar de se terem impresso novas notas com o início do novo regime, nunca elas foram utilizadas. Houve até pessoas que se suicidaram por não verem sentido para uma vida sem dinheiro. A única coisa que valia era o sistema de trocas. O comércio subsistiu enquanto foi possível trocar jóias por comida, mas depois acabou [4]. No entanto, como a corrupção e o crime andam juntos, o ouro conservou o seu valor como moeda para se conseguir o proibido ou o impossível de encontrar, como era o caso dos remédios [5].
Os museus foram incendiados, perdendo-se obras de arte milenares. Os arquivos foram igualmente queimados, pois a História deixava de ser necessária. Tudo o que se referisse a tradição ou ao passado era destruído. Os templos e pagodes só eram poupados se servissem como armazéns. A música, especialmente a tradicional, foi proibida e substituída pelas novas «canções» revolucionárias e nada mais.
«Os direitos individuais não foram apenas limitados para favorecer os colectivos, mas simplesmente extintos. A criatividade individual, a iniciativa ou a originalidade eram condenadas por uma questão de princípio. A consciência individual era sistematicamente demolida [6]. Chegaram até a modificar a linguagem. Não se podia dizer «eu», mas apenas «nós». As crianças deviam chamar os seus pais de tio e tia. «Palavras que expressassem conceitos líricos ou burgueses, como beleza, colorido ou conforto, foram proibidas na rádio» [7].
A obsessão igualitária foi de tal ordem que se estabeleceu um corte de cabelo único para homens (inspirado no de Pol Pot) e outro para mulheres [8]. A todas as raparigas o cabelo era cortado à força [9]. A uma que recusou essa medida, colocaram-na num barril ao qual atearam fogo. Quando ela saiu com o cabelo todo queimado, perguntaram-lhe: «Então, ainda queres ser bonita?» [10]. O desporto foi interditado por ser uma coisa burguesa. Foram igualmente proibidos os brinquedos para crianças. «Em algumas regiões do país até chegou a ser proibido rir ou cantar» [11]. Todos os apelidos foram mudados. O que há de mais individual do que um apelido? O que há de mais perigoso do que ter identidade? [12] Quando um recém-chegado a um campo de concentração lhe foi perguntado o nome, «ele olhou-me como se fosse louco. Ninguém agora diz que nome tem. Somos apenas camaradas, todos trabalhadores, todos iguais, sem nome e sem personalidade» [13].
Para se ver a que ponto chegou a radicalidade do igualitarismo cambojano, basta pensar que a partir de 1976 foi proibido colher frutos individualmente, pois era um acto individualista que daria mais a uns do que a outros. Um funcionário do Ministério dos Negócios Estrangeiros foi até destituído por apanhar um coco do chão, pois este pertencia teoricamente a todo o povo… Foi também proibida a pesca e a eliminação de animais daninhos às sementeiras. «Quando era necessário optar entre autorizar uma pessoa faminta a alimentar-se ou impor-lhe uma igualdade rigorosa (mesmo que isto implicasse desperdício de comida), prevalecia a opção pelo igualitarismo» [14]. Uma das mais loucas utopias igualitárias foi a de eliminar os pequenos campos de arroz e criar em todo o país arrozais idênticos de um hectare, o que logo se revelou impossível, uma vez que isso dependia dos níveis da água disponível e a sua regularização exigiria movimentos de terra colossais.
Em 1979, uma guerra com o Vietname pôs fim a esta radical «experiência» cambojana, mas a um custo de dois milhões de mortos numa população de seis milhões. Ou seja, um terço das vidas humanas do país.
Essa loucura da qual o Camboja ainda padece, é única na história da humanidade: em 2007 um estudo médico mostrou que 30% dos 12 milhões de cambojanos sofre de stresse pós-traumático e 40% padece de ansiedade e pesadelos [15]. Até hoje é bem superior ao normal o número de loucos no Camboja. E como se liquidou a instituição da família, a imoralidade tornou-se pavorosa, sendo o Camboja, durante muitos anos, um destino para os pedófilos. Só recentemente isso começou a ser combatido com vigor.
O experimento radical do Khmer Vermelho mostra o perigo contido nas ideologias favoráveis à redução maciça da população mundial para dar espaço à «natureza», em eliminar o progresso para se regressar a uma «vida harmonizada com a natureza» e em criar um novo mundo «onde a igualdade trará a felicidade».
Contribua com qualquer valor para o site "Cristãos Atrevimentos" Quero Doar [1] Pol Pot, Philip Short, John Murray Publishers, 2004. pg. 9.
[2] El País, 4/XI/2007 La confesión del Carcelero Hin Huy.
[3] El País, 4/XI/2007 La confesión del Carcelero Hin Huy.
[4] Rithy Panh, L’élimination, Ed. Grasset & Fasquelle, 2011, pg. 55
[5] Rithy Panh, L’élimination, pg .131.
[6] Pol Pot, Philip Short, pg. 11.
[7] Pol Pot, Philip Short, pg.325
[8] Rithy Panh, L’élimination, pg. 80
[9] Patricia McCormick, Never fall down, Ed. Corgi 2013, pg. 34
[10] Patricia McCormick, Never fall down, pg. 65
[11] Pol Pot, Philip Short, pg.328
[12] Rithy Panh, L’élimination, pg 69.
[13] Patricia McCormick, Never fall down, pg. 57
[14] Pol Pot, Philip Short, pg.348 y 346
[15] El Pais, 4/XI/2007 La concesión del Carcelero Hin Huy.