Um dos homens que mais marcaram o século XIX, e cuja influência, a meu ver muito nefasta, perdura até os dias de hoje, foi Napoleão Bonaparte.
Penso que se deve distinguir, em Napoleão, o militar do político e do administrador. Como militar, ele foi sem dúvida genial, do ponto de vista tático, e muitíssimo bem dotado (se bem que tendo cometido alguns erros) do ponto de vista estratégico. Talvez, em toda a História, um único chefe militar possa ser equiparado a ele: Aníbal.
Contribua com qualquer valor para o site "Cristãos Atrevimentos" Quero Doar Já enquanto político, parece-me bem menos dotado e jamais o classificaria como estadista. Sem dúvida, ele alcançou rapidamente sucessos políticos incríveis, mas de curta duração; e os efeitos de sua obra, no contexto internacional, esses sim foram duradouros e se revelaram danosos para o equilíbrio europeu e prejudiciais para a própria França. Foi Napoleão, por exemplo, que deu os primeiros (e decisivos) passos para a unificação da Alemanha, completada em 1870 por Bismarck. Criou, com isso, um temível adversário que produziria, no século XX, as duas Guerras Mundiais.
Rui Barbosa o criticou acerbamente na “Oração aos Moços” - o famoso discurso que redigiu, como paraninfo da turma de formandos de 1920, da Academia de Direito de São Paulo, na qual ele próprio se formara em 1870, apontando-o, juntamente com Metternich e Bismarck, como um artífice remoto da tragédia que foi a Primeira Guerra Mundial. Segundo Rui Barbosa, “era o velho continente que principiava a expiar a velha política, desalmada, mercantil e cínica, dos Napoleões, Metternichs e Bismarcks, num ciclone de abominações inenarráveis, que bem depressa abrangeria, como abrangeu, na zona das suas tremendas comoções, os outros continentes, e deixaria revolvido o orbe inteiro em tormentas catastróficas, só Deus sabe por quantas gerações além dos nossos dias.”
Napoleão foi chamado, em seu tempo, “a Revolução de botas”, porque propagou, militarmente e pela força das armas, os ideais da Revolução Francesa. Exerceu papel fundamental na propagação dos ideais libertários e igualitários da Revolução. Com isso, causou a longo prazo problemas muito sérios. Na verdade, liberdade e igualdade não podem ser valores absolutos, como geralmente se entendeu. A liberdade plena é fonte inevitável de desigualdades, e a igualdade, como meta e como ideal de justiça, forçosamente coarcta a liberdade. O drama do século XX, diz meu grande Amigo Prof. Arno Wehling, é que metade do mundo (a socialista) absolutizou a igualdade e, assim, criou a pior tirania da História, enquanto a outra metade (a capitalista) absolutizou a liberdade, daí decorrendo situações pontuais e episódicas de injustiça que, paradoxalmente, forneciam argumentos aos socialistas. Pessoalmente, prefiro mil vezes a liberdade com desigualdades, desde que não excessivas ou injustas.
O terceiro elemento do dístico da Revolução Francesa, a Fraternité, ela própria rapidamente o esqueceu e abandonou; basta lembrar as centenas de milhares de mortos que fez, na guilhotina ou na sangrenta repressão aos movimentos contra-revolucionários da Vendée, da Bretanha ou de Lyon.
O problema é como teria sido possível reformar o Ancien Régime – que sem dúvida precisava de uma reforma – sem fazer uma revolução sangrenta e destrutiva como foi a de 1789. E aí tocamos num ponto muito interessante, que é o papel das continuidades e das rupturas na História. Há transformações muito profundas que podem ser feitas gradualmente, sem rupturas; e há rupturas que muitas vezes parecem radicais, mas produzem situações extremamente parecidas com o status quo anterior.
Contribua com qualquer valor para o site "Cristãos Atrevimentos" Quero Doar ARMANDO ALEXANDRE DOS SANTOS é licenciado em História e doutorado em Filosofia e Letras pela Universidade de Alicante (Espanha). É Professor de História Militar na Universidade do Sul de Santa Catarina, jornalista, escritor e membro da Academia Portuguesa da História e do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.