Quem visita Israel apercebe-se imediatamente de que existem dois grupos de pessoas, como se fossem dois países a viver num só território.
Não estou a falar dos palestinos, mas dos judeus, que estão profundamente divididos entre si. Por um lado, temos os judeus que querem ser como toda a gente, vestem-se como em qualquer país da Europa, comem todo o tipo de comida, ouvem música rock, vão à praia, etc. Digamos que são judeus «culturais», de cultura e língua judaicas. São vistos sobretudo em Telavive.
Contribua com qualquer valor para o site "Cristãos Atrevimentos" Quero Doar Por outro lado, temos os judeus religiosos e nacionalistas, que seguem os preceitos religiosos judaicos, vestem pelo menos algo que denota a sua filiação judaica, no Sabbath só se vêem a caminhar para as sinagogas, rezam nos comboios e predominam em Jerusalém.
Como foram os judeus culturais quem criou o Estado de Israel, sempre tiveram por isso a maioria em certas instituições do Estado, nomeadamente no Exército e na Justiça, especialmente no Supremo Tribunal. Os religiosos vieram mais tarde, muitos deles expulsos de países árabes ou provenientes das comunidades ultra-ortodoxas americanas.
O problema é que cada uma destas facções reivindica para si a representação do verdadeiro judaísmo e, consequentemente, exige que o Estado se conforme ao que pensam.
Uma vez que os judeus culturais foram maioria durante muitos anos, o problema era em grande parte teórico ou pelo menos não chegava a ser algo que pusesse em perigo a própria existência do Estado. Mas isso mudou com a demografia e com a imigração. Com efeito, enquanto os judeus culturais têm apenas um ou dois filhos, os judeus religiosos chegam a ter seis. E como Israel é uma democracia, os eleitores religiosos passaram a controlar o governo, com o decorrer dos anos. E, ao controlarem o governo, começaram a querer mudar muitas coisas, como, por exemplo, obrigar toda a gente a cumprir pelo menos certas regras do judaísmo religioso, como respeitar o Sabbath ou tornar a vida impossível aos não-judeus, forçando-os a sair de Israel ou, pelo menos, de Jerusalém. O Supremo Tribunal, porém, não os favorece e está constantemente a bloquear leis que eles tentam impor contra o estilo de vida dos judeus culturais.
A situação chegou ao auge no Verão de 2023, quando grandes manifestações paralisaram o país para protestar contra os judeus religiosos e nacionalistas que tentavam bloquear as ordens dadas pelo Supremo Tribunal ao Governo. E como sempre acontece, quando os de dentro discutem, os de fora aproveitam…
Foi neste contexto que os palestinos executaram os massacres de 7 de Outubro de 2023, que constituíram um verdadeiro trauma para todo o país mas que, pelo menos, levaram as duas facções a se unirem. Isto aconteceu inicialmente, mas logo surgiram problemas, porque a maioria dos raptados pertencia ao grupo dos judeus culturais e o governo religioso-nacionalista concentrou-se menos em salvá-los do que em punir os atacantes.
A situação agravou-se com os ataques no Líbano e no Irão e, uma vez que o problema de Gaza não ficou resolvido, a divisão interna voltou a surgir, com os judeus culturais exigindo agora que os religiosos também sirvam no exército. Efectivamente há muitos judeus religiosos que não cumprem serviço militar porque a sua função, dizem eles, consiste em rezar e estudar, não devendo pegar em armas.
Em suma, as manifestações que outrora paralisaram o país estão de volta, mas agora no meio de uma guerra interminável e com um futuro incerto, uma vez que a divisão do povo de Israel afecta os próprios princípios em que o Estado se baseia.