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Café, a bebida do pensamento

13 de Março de 2025

Valdis Grinsteins

Valdis Grinsteins

Café, a bebida do pensamento

Em 1683, durante o cerco de Viena, o comandante austríaco precisava de um mensageiro para cruzar as linhas turcas e levar informações importantes ao rei Sobieski. Franz Georg Kolschitzky foi escolhido porque viveu muitos anos entre os povos orientais e, disfarçado com uniforme turco, conseguiu cumprir a sua missão.

Uma vez derrotados e postos em fuga os turcos, ficaram numerosos materiais capturados ao seu exército, entre os quais havia alguns grandes sacos cheios de grãos pretos, que os austríacos tomaram como alimento para os camelos, começando a queimá-los quando viram que não lhes seriam úteis. Ao sentir o cheiro, Kolschitzky reconheceu imediatamente o café, conseguindo evitar que fosse todo queimado e que todos os sacos restantes lhe fossem dados como recompensa pela sua missão. Tendo assim um bom abastecimento de café, abriu o primeiro estabelecimento desta bebida em Viena, que até então só a conhecia como remédio. Em pouco tempo a sua bebida popularizou-se, pois ele modificou o método de torrefacção e acrescentou um pouco de leite ao servir. Com a popularidade, outros cafés surgiram, acabando por dar origem a uma moda.

Contribua com qualquer valor para o site "Cristãos Atrevimentos" Quero Doar Ao contrário das cervejarias, locais cheios de barulho e por vezes de disputas, os cafés tornaram-se o local preferido dos intelectuais, que apreciavam a concentração mental proporcionada por essa bebida que ao mesmo tempo os mantinha acordados.

Em Paris, a história foi semelhante. O café já era conhecido, embora por poucos, e mais como remédio do que como bebida. Foi especialmente a partir de 1684, quando um imigrante italiano abriu o Café Procope, localizado em frente à Comédie Française, que os cafés começaram a atrair intelectuais e artistas, multiplicando-se a partir dessa altura.

Infelizmente, os inimigos da Civilização Cristã rapidamente souberam como utilizar estes novos estabelecimentos para os seus propósitos. Os cafés rapidamente se tornaram locais de encontro igualitários, onde socialmente se aceitava que homens e mulheres pudessem conversar em público sem maiores formalidades ou apresentações. ¨Os cafés proporcionaram à Inglaterra o primeiro local de encontro igualitário, onde um homem deveria conversar com os seus vizinhos de mesa, quer os conhecesse ou não¨ (1).

Os cafés, além de crescerem em número, tornaram-se mais especializados. Em alguns davam-se e comentavam-se notícias, noutros encontravam-se escritores, pintores, poetas, etc. Para outros iam os enciclopedistas disseminar o seu veneno doutrinário e os “boateiros” espalhar os seus boatos.

No reinado de Luís XV havia cerca de 600 cafés, só em Paris, sendo impossível avaliar o trabalho ideológico que neles se desenvolveu, em prole das ideias igualitárias e da oposição à Monarquia.

Esta associação entre o café e a difusão de ideias revolucionárias foi se diluindo com o tempo. O café foi plantado em terras diferentes da sua Arábia de origem, surgindo com ele importantes propriedades, famílias que enriqueceram e toda uma cultura ligada à sua produção. Com isso, o café passou a ter um tom exótico, mais geográfico do que ideológico. Vários tipos de cafés começaram a surgir, criando grupos de apreciadores especializados e cafeterias dedicadas a buscar enormes variedades de aromas e misturas. A moda social estava a mudar e, à medida que as relações sociais se foram tornando igualitárias, deixou de haver necessidade de ir a um café para conversar com estranhos. Devido às inúmeras guerras e à necessidade de vigilância durante o seu decurso, o café também se tornou popular entre os soldados e com eles penetrou até nas classes mais humildes e nos países mais distantes. O café é o segundo produto legal de exportação no mundo (o primeiro é o petróleo) (2).

Todas estas razões ajudaram a limpar o café da má associação que se fazia entre ele e a revolução.

Mas os movimentos não pararam por aqui. A mesma revolução que no século XVIII difundiu ideias e apresentou homens de pensamento (liberais, claro) como modelos a serem imitados, chegando ao século XX, passou a apresentar seres primitivos, pessoas cheias de impulsos espontâneos (à semelhança dos animais...) como os nossos futuros modelos. Estruturalismo, tribalismo, rock, contracultura, foram os novos pontos de referência. Nesse ambiente, o café, com o seu estímulo à reflexão e à tranquilidade, tornou-se um inimigo. Nada é mais contrário a uma explosão de espontaneidade do que o pensamento ou a reflexão metódica que o café nos ajuda a ter. Poucas coisas seriam menos prováveis ​​hoje do que um cantor de hard rock a dizer, com uma fina chávena de porcelana nas mãos: “vamos tomar um café para, de forma metódica, calma e sistemática, analisar a doutrina e o pensamento profundo que está por trás do nosso modo de ser”.

O café hoje tem uma conotação bastante contra-revolucionária, de bom trato e harmonia entre as pessoas. “Tornou-se o símbolo do relaxamento e da convivência” (3). Toda a reunião social, e mesmo de negócios, fica incompleta em muitos países se não for servido um café que permita prolongar os temas discutidos anteriormente, de forma mais pessoal.

Para finalizar, deixamos aqui um curioso episódio religioso em que entra o café, narrado – nada mais, nada menos – no diário espiritual de Santa Gemma Galgani, mística italiana, canonizada em 1936. No registo de 20 de Agosto de 1900, escreveu ela: “O meu anjo da guarda não pára de cuidar de mim, de me instruir e de me dar sábios conselhos. Várias vezes durante o dia ele apresenta-se e conversa comigo. Ontem ele fez-me companhia enquanto comia, mas não me obrigou, como os outros fazem. Depois que acabei de comer não me senti bem. Então ele trouxe-me uma chávena de café, tão bom que me senti instantaneamente curada e depois fez-me descansar um pouco.

Que tipo de café o anjo ofereceu a Santa Gemma? Infelizmente não sabemos. Mas certamente no céu poderemos saborear esta bebida celestial.

 

(1) Mark Pendergrast, El Café, Ed. Vergara, pág.

(2) Idem, pág.17.

(3) Le café, Annie Perrier-Robert, Ed. Solar, pág.

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