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Tributo a Luiz Vaz de Camões

04 de Fevereiro de 2025

Ibsen Noronha

Ibsen Noronha

Tributo a Luiz Vaz de Camões

O cantor da gesta lusitana tem a sua vida encoberta pela obra. A sua missão parece ter sido a de apresentar o fastígio de um povo e admoestar acerca da sua decadência. Trata-se, de alguma forma, de vaticinar a vocação do povo português e dos perigos de trair o chamado da Providência.

A sua vasta cultura é incontestável e os rios de tinta que se dedicaram a estudar a sua vida e obra são prova indesmentível da sua altíssima dimensão.

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Nascido no reinado de Dom João III, foi guerreiro e combateu os mouros em Marrocos na flor da sua juventude, em 1545. Terá escrito: Ando de guerra – Laus Deo!

Seguiu para o Oriente e foi acolhido por Garcia de Orta, que estampou a sua Ode ao Conde de Redondo, 8º vice-rei da Índia, em 1563, nos celebrados Colóquios – foi a primeira publicação.

Pero de Magalhães Gândavo, na sua História da Província de Santa Cruz, em 1576, publicou três poemas da lírica: uma elegia, um soneto e uma ode.

A sua epopeia foi escrita no Oriente. O heroísmo lusitano foi cantado1 em oitava rima e decassílabos e tornou legendárias as proezas de um povo pequenino que correspondera à Graça de Deus – o que fica claríssimo após uma leitura do épico à luz do pensamento tomista2.

As fontes jurídicas fornecem-nos algumas certezas. O alvará de 24 de Setembro de 1571, permitiu a publicação do poema da Civilização Cristã. E o Desejado, pelo alvará de 28 de Julho de 1572 concedeu uma tença ao poeta. Tratou-se de autêntica justiça distributiva.

A defesa da Civilização Cristã está sempre presente nos versos de Camões. Os Lusíadas3 superam, e muito, os seus inspiradores greco-latinos4, pois já a água do Baptismo fora levada às almas dos quatro cantos da Terra pelos missionários, homens de fé profunda que singravam os mares nas embarcações que arvoravam cruzes nas velas. Homero e Virgílio são grandes, mas a gesta de Portugal fez o poeta exceder-se... e foi sublime!

A esperança, na última quadra em que viveu o poeta, estava depositada num Rei, puro e guerreiro, epígono medieval. Na dedicatória, em 13 estâncias, surge um monarca providencial. E a presença de Dom Sebastião é avassaladora no Poema. Herói predestinado, herdeiro e culminação da História do povo português5.

Vós tenro e novo ramo florescente

De uma árvore de Cristo mais amada

Que nenhuma nascida no Ocidente,

Cesárea ou Cristianíssima chamada

(Vede-o no vosso escudo, que presente

vos mostra a vitória já passada,

Na qual vos deu por armas, e deixou

As que Ele para si na Cruz tomou.)

A vocação de Portugal está na 7ª estância do primeiro canto! Um Rei católico apostólico romano e as quinas da fidelidade sem jaça ou... o explicitado no derradeiro canto:

Não no dá a pátria, não, que está metida

No gosto da cobiça e na rudeza

Duma austera, apagada e vil tristeza

Desproporção entre a causa e o efeito é o que salta aos olhos quando consideramos as condições materiais de Portugal e a sua portentosa obra missionária e civilizadora iniciada em 1415. Os meios disponíveis e a magnitude da obra desconcertam. África, Ásia e Brasil receberam de um povo que contava com menos de um milhão de habitantes, o influxo de uma ordem natural e também sobrenatural que marcaram definitivamente os povos daquelas plagas... e se mais mundo houvera lá chegara...

A História de Portugal é repleta de lances que causam perplexidade. Se submetemos os episódios à exegese da Teologia da História, a percepção dos acontecimentos torna-se cristalina. Podemos ter a certeza, gravou em letras de oiro o Papa Alexandre III: Está claramente demonstrado que, como bom filho e príncipe católico, prestaste inumeráveis serviços a tua mãe, a Santa Igreja6... e este Príncipe Católico é o arquétipo do povo português.

A vocação de Portugal é cristalina: Catolicidade! A Bula Manifestis Probatum, datada de 23 de Maio de 1179, declara a fidelidade à Santa Igreja que permitiu o reconhecimento da separação do condado portucalense da monarquia asturo-leonesa nesses belíssimos termos:

Por isso, Nós, atendemos às qualidades de prudência, justiça e idoneidade de governo que ilustram a tua pessoa, tomamo-la sob a protecção de São Pedro e nossa, e concedemos e confirmamos por autoridade apostólica ao teu excelso domínio o reino de Portugal com inteiras honras de reino e a dignidade que aos reis pertence, bem como todos os lugares que com o auxílio da graça celeste conquistaste das mãos dos Sarracenos e nos quais não podem reivindicar direitos os vizinhos príncipes cristãos. E para que mais te fervores em devoção e serviço ao príncipe dos apóstolos S. Pedro e à Santa Igreja de Roma, decidimos fazer a mesma concessão a teus herdeiros e, com a ajuda de Deus, prometemos defender-lha, quanto caiba em nosso apostólico magistério.

E àqueles que turbassem os legítimos e justíssimos direitos de Dom Afonso Henriques e os seus herdeiros o Papa fulminava com estas palavras de fogo:

Determinamos, portanto, que a nenhum homem seja lícito perturbar temerariamente a tua pessoa ou as dos teus herdeiros e bem assim o referido reino, nem tirar o que a este pertence ou, tirado, retê-lo, diminuí-lo ou fazer-lhe quaisquer imposições. Se de futuro qualquer pessoa eclesiástica ou secular intentar cientemente contra o que dispomos nesta nossa Constituição, e não apresentar satisfação condigna depois de segunda ou terceira advertência, seja privada da dignidade da sua honra e poder, saiba que tem de prestar contas a Deus por ter cometido uma iniquidade, não comungue do sacratíssimo Corpo e Sangue de Jesus Cristo nosso divino Senhor e Redentor, e nem na hora da morte se lhe levante a pena. Com todos, porém, que respeitarem os direitos do mesmo reino e do seu rei, seja a paz de Nosso Senhor Jesus Cristo, para que neste mundo recolham o fruto das boas obras e junto do soberano juiz encontrem o prémio da eterna paz. 

Camões no canto III louvou o primeiro monarca, e do milagre de Ourique surgiram as armas indefectíveis da Fé. Deus apareceu ao guerreiro, ao Conquistador! É o fastígio do maravilhoso medieval. Um povo foi chamado pelo próprio Criador a levar o seu nome ao mundo inteiro. O dilema está nas Quinas:

Já fica vencedor o Lusitano,

Recolhendo os troféus e presa rica;

Desbaratado e roto o Mauro Hispano

Três dias o grão Rei no campo fica.

Aqui pinta no branco escudo ufano,

Que agora esta vitória certifica,

Cinco escudos azuis esclarecidos,

Em sinal destes cinco Reis vencidos.

 

E nestes cinco escudos pinta os trinta

Dinheiros por que Deus fora vendido,

Escrevendo a memória, em vária tinta,

Daquele de Quem foi favorecido.

Em cada um dos cinco, cinco pinta,

Porque assi fica o número cumprido,

Contando duas vezes o do meio,

Dos cinco azuis que em cruz pintando veio.

***

Em Ceuta teve início a expansão da Fé e do Império para além da península. Ao chegar ao Brasil, na celebração da primeira Missa, congregando portugueses e aborígenes no acto mais perfeito do Catolicismo – o Santo Sacrifício – Portugal marcava naquela praia do sul da Bahia, o início da grande conversão dos povos à verdadeira religião na América. De uma perspectiva teológica da História aquele momento continuava a obra de Reconquista das almas que durante séculos se travara na península ibérica.

Após levantarem a primeira Cruz no Brasil foi celebrada a Missa. Se reflectirmos acerca desta celebração sob a luz da Teologia da História poderemos perceber a beleza da obra dos portugueses de então que, profundamente cônscios da sua missão, temperados por séculos de lutas pela ortodoxia em terras ibéricas, tinham como fim último das suas acções a salvação das almas de outros povos. A máxima do direito canónico poderia ser a divisa daqueles homens: Salus Animarum, Lex Suprema!

A beleza da liturgia começou então a converter as almas dos povos autóctones assim como fortalecia o desejo dos lusitanos de alargar a Cristandade.

A História, então, deve submeter-se à sua concepção mais profunda, quero dizer, que os caminhos trilhados pelos povos dependem fundamentalmente da correspondência à Graça de Deus. E uma fonte de Graças quase infinita é a do Santo Sacrifício. Perceber isso é perceber a verdadeira História, a História da Salvação. A Beleza dessa História cintila ao contemplarmos a vocação dos povos, o sacrifício dos homens que dão forma a esses povos e a firmeza com que decidem colaborar com a divina graça e levar a cabo as maravilhas de seus feitos. Dentre os feitos dos portugueses no Brasil o início da História litúrgica se eleva até aos píncaros. O apostolado da Santa Missa é obra inestimável. Os brasileiros de todos os tempos tiveram e têm de procurar exercitar a débil virtude da gratidão, pois o benefício que receberam não tem preço!

E é como brasileiro, honrado pelo sangue lusitano que corre nas minhas veias que agradeço a Portugal o bem maior que deixou no meu Brasil: a Fé Católica Apostólica Romana, maior tesouro do meu povo.

O vaticínio de Camões percorreu o passado, o presente e o futuro.

No canto VII, Camões voa para além de toda a mediocridade oferecendo o único caminho para Portugal cumprir a sua Missão:

Mas entanto que cegos e sedentos

Andais de vosso sangue, ó gente insana!

Não faltarão christãos atrevimentos

Nesta pequena Casa Luzitana:

De África tem marítimos assentos,

É na Ásia mais que todas soberana,

Na quarta parte nova os campos ara,

E se mais mundo houvera, lá chegara.

 

 

Notas:

1 10 Cantos e 1102 estâncias.

2 JOÃO de SCATIMBURGO, Interpretação de Camões à luz de Santo Tomás de Aquino, São Paulo, 1978.

3 Termo cunhado por André de Rezende, em 1531, a partir de LUSUS com o sufixo patronímico grego
ιάδες, a palavra LUSIADES – descendente de LUSO.

4 Camões admira o gênio mas coloca bem acima a Fé. A elegia X o confirma: Tomara ser Virgílio ou ser Homero,/ Somente no saber que foi divino/ (Que ser o que eles foram não no quero).

5 VICTOR MANUEL AGUIAR e SILVA, Dicionário de Camões, Lisboa, 2011, p. 129.

6 Bula Manifestis Probatum.

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