Cristina Siccardi
O sórdido e já famoso site da vergonha, agora encerrado, tinha 800 000 utilizadores (estamos a falar de quase um milhão de pessoas!), 10 milhões de mensagens escritas e estava activo há vinte anos. Aberto em 2005, operou este tempo todo, a par de outras realidades virtuais do mesmo tipo. Mas esta história lamentável é apenas a ponta do iceberg. Esse site abriu uma caixa de Pandora, que reúne outras realidades virtuais pornográficas, agressivas e degeneradas, envolvendo, por trás dos ecrãs digitais, um número desproporcionado de homens, jovens e não tão jovens. Na verdade, são cada vez mais as mulheres de todas as idades, gente comum (namoradas, esposas, companheiras) ou gente do mundo da política e do espectáculo, que tem vindo a descobrir fotografias suas, tanto privadas como públicas, autênticas e modificadas, ou ainda produzidas por meio da inteligência artificial, publicadas em blogs e sites pornográficos sem o seu consentimento.
Escreve a CGIL acerca da Presidente da Câmara de Florença, Sara Funaro, também ela atirada para a fossa da depravação: «Estes ataques não são simples comentários. São expressão de uma cultura patriarcal que atinge as mulheres no espaço público com a linguagem do ódio, do sexismo e da violência patriarcal. Para a presidente da Câmara Sara Funaro, e para todas as outras vítimas que sofreram estes ataques vergonhosos, vai toda a nossa solidariedade». Está muito bem denunciar, está muito bem tornar pública a situação, mas tal podridão não é uma expressão da cultura patriarcal, é um efeito do demoníaco mal-estar social que rege o Ocidente, um mal-estar que anda de mãos dadas com o chamado feminicídio, o bullying e a violência entre os jovens.
Este clima exacerbado e de extrema corrupção moral não surge do nada, mas de uma cultura feminista que se foi transformando a pouco e pouco, que se foi envolvendo e confundindo, que se foi desviando para uma surreal competição com vista à igualdade entre os sexos – ora, os dois sexos não são iguais, são diferentes a nível biológico e complementares a nível psicológico e espiritual –, até chegar às teorias de género.
Os corpos das mulheres, jovens e menos jovens (até se fazem calendários com mulheres idosas seminuas), são hoje exibidos por toda a parte, em anúncios, em filmes, em programas de televisão e em locais públicos, como discotecas, mas também nos locais de trabalho, em restaurantes, bares, escolas, na rua... Tudo isto porque, segundo se diz, as mulheres podem fazer o que quiserem consigo próprias, ignorando os olhares indiscretos de quem as observa, e a boa educação, o bom gosto no vestir e no falar foram inexoravelmente postos de lado. É como se, de degeneração em degeneração, o conhecimento da natureza física, sensorial e filosófica do homem e da mulher se tivesse diluído e, na ausência desse conhecimento, tivéssemos entrado num turbilhão de primitivismo bestial e orgiástico que nada tem que ver com o conceito de patriarcado de cunho cristão.
Quando o Ocidente vivia inserido na mentalidade cristã, havia respeito e cavalheirismo com as mulheres, abordagens que estão actualmente em desuso. Nos nossos dias, o sexo foi linguisticamente transformado em género, e a comunidade cultural e mediática dominante no Ocidente criou, por decreto e sem qualquer demonstração científica, a existência de outros géneros, sintetizados na sigla LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgénero).
Nascido como movimento organizado no século XIX, o feminismo tem as suas raízes na cultura anticristã iluminista, onde amadureceram as ideias de liberdade, igualdade e fraternidade universal... a cujas consequências assistimos hoje. Foi durante a Revolução Francesa que, pela primeira vez, as mulheres se organizaram cocletivamente, criando círculos femininos com o objectivo de reivindicar a universalidade dos direitos aos quais os homens jacobinos também aspiravam.
O feminismo da primeira hora ficou assinalado por duas obras: Uma defesa dos direitos das mulheres, da inglesa Mary Wollstonecraft (1759-1797), publicado em 1792, e Declaração dos direitos das mulheres e cidadãs, publicado no mesmo ano e assinado por Olympe de Gouges, pseudónimo da activista Marie Gouze (1748-1793). Escreve Wollstonecraft em A Vindication of the Rights of Woman: «É tempo de fazer uma revolução no modo de existência das mulheres – é tempo de lhes devolver a dignidade perdida – e fazer que elas, como parte que são da espécie humana, se empenhem em reformar o mundo, reformando-se a si mesmas» (M. Wollstonecraft, A Vindication of the Rights of Woman (1792), editado por Eileen Hunt Botting, Yale University Press, 2014, p. 71). Fala-se nestas páginas de dignidade perdida, dando a entender que houve um tempo em que essa dignidade existia.
O dicionário Treccani define assim o termo «Feminismo»: «Movimento de reivindicação dos direitos das mulheres, cujas primeiras manifestações remontam ao final do Iluminismo e à Revolução Francesa; nascido para promover a completa emancipação da mulher no plano económico (admissão a todas as profissões), jurídico (plena igualdade de direitos cívicos) e político (admissão ao eleitorado e à elegibilidade), almeja uma mudança radical da sociedade e das relações homem-mulher através da libertação sexual e da abolição dos papéis tradicionalmente atribuídos às mulheres».
Recorde-se que uma das posições mais marcantes do Iluminismo e do liberalismo é a sua hostilidade visceral à Idade Média. Todo o Iluminismo se concentrou em desacreditar a Idade Média, acusando-a de ser uma época obscurantista. A realidade é bem diferente e, a despeito do que afirma o liberalismo, que exalta as «liberdades» mais degradantes e destrutivas (como o divórcio, o aborto e a eutanásia), foi na Idade Média que surgiram as nações europeias, que os povos adquiriram a sua identidade, que se salvou a cultura tanto sagrada como profana (graças às abadias); na Idade Média criaram-se confrarias, ordens de cavalaria e hospitais, bem como instituições religiosas de excepcional valor para o bem das almas e das mentes e, consequentemente, para o bem integral dos indivíduos. E foi precisamente neste período que o valor da mulher emergiu em todo o seu esplendor. O cristianismo foi a religião que mais destacou as qualidades femininas; e fê-lo olhando para o modelo e as virtudes da Virgem Maria, Mãe de Deus.
A fé católica eliminou a exploração das mulheres, mas sem nunca as colocar em confronto, em competições agonísticas e competitivas com os homens; basta pensar no valor e na dignidade feminina exaltados por Dante na Divina Comédia. Na Idade Média, destacam-se figuras do calibre de uma Santa Hildegarda de Bingen, de uma Santa Catarina de Siena, de uma Santa Brígida da Suécia, de uma Santa Margarida da Escócia, de Leonor da Provença, Rainha de Inglaterra, de Adelaide de Turim, de Matilde de Canossa... a lista é interminável. Um pequeno exemplo, dentro da avalanche de factos e episódios que poderiam ser levados em consideração: Malcom III, marido de Margarida, Rainha da Escócia no século XI, não sabia ler nem escrever, ao passo que sua mulher era extremamente culta; mas nem por isso ele se sentia diminuído, pelo contrário, procurava aconselhar-se com ela e pedia-lhe apoio.
A maioria destas figuras foi apagada pela publicidade dominante e, quando se leva em consideração a pequena parte que resta, é com critérios distorcidos, camuflando e deturpando os acontecimentos históricos, o que rebaixa a realidade dos factos, enganando os nossos contemporâneos sobre a transmissão do conhecimento.
No Ocidente, até aos primórdios do feminismo, nem as mulheres nem os homens cristãos procuravam reivindicar direitos sobre o outro sexo; pelo contrário, trabalhavam arduamente, suavam e sacrificavam-se em conjunto na família e na sociedade, percorrendo a jornada terrena da vida com os olhos voltados para Deus e projectados, no bem e no mal, para a eternidade.
Faz falta um olhar objectivo que formule, com honestidade intelectual e autocrítica sincera, um pensamento concreto e realista capaz de considerar que só o cristianismo exalta efectivamente a verdadeira e livre dignidade das mulheres: «E não se pode excluir as mulheres desta participação [de serem à imagem e semelhança de Deus], dado que elas são co-herdeiras connosco da graça, e visto que o Apóstolo [São Paulo] afirma [...]: “Todos vós, que em Cristo fostes baptizados, de Cristo vos revestistes. Não há judeu nem grego, não há escravo nem homem livre, não há homem e mulher, pois todos vós sois um só em Cristo Jesus”» (Santo Agostinho, De Trinitate, XII, 7).
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