John Horvat
A esquerda gosta sempre de se apresentar como o partido zangado. Define-se pela sua aptidão na defesa de causas que recordam a trilogia da Revolução Francesa – liberdade, igualdade, fraternidade – com uma multidão a invadir a Bastilha.
Onde quer que haja restrições – mesmo que legítimas – a esquerda evoca a libertinagem e o permissivismo. Onde quer que surjam diferenças – mesmo as naturais, decorrentes do talento ou do esforço – a esquerda denuncia-as como injustiça e exige igualdade absoluta. Os partidos da esquerda estão sempre revoltados e à procura de uma boa revolução para agitar ou de uma crise para explorar.
No entanto, esta imagem de partido zangado está agora em apuros na América. Desde as últimas eleições, a esquerda tem estado sem rumo, desorientada e sem inspiração. Deixou de ser o partido do clamor para ser o partido da lamúria. Não há estrondo vindo da esquerda, apenas discurso incoerente.
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Um movimento populista global
Esta falta de direcção é sinal de que algo importante correu mal. Não se trata de uma questão de ajuste, enquadramento ou reenvio de mensagens. Alguns observadores sugerem que o mundo está a transitar de uma época histórica para outra. O debate mudou e a esquerda ficou para trás.
O editorialista David Brooks, do New York Times, descreve o fenómeno actual como «um movimento político de mudança mundial» que afecta tanto a esquerda como a direita. Compara-o com a Revolução Comunista, o New Deal, os anos sessenta, o feminismo, a revolução LGBTQ+ e outros movimentos que marcaram a modernidade.
Ele chama a esta mudança maciça o «movimento populista global» e caracteriza-o por uma desconfiança generalizada em relação às estruturas sociais, aos programas governamentais e às instituições. As pessoas consideram que tudo é «manipulado, corrupto e malévolo». Questionam tudo, nutrem ressentimentos sociais e exigem sinais de confiança.
Falha na adaptação
Brooks considera que os conservadores perceberam este novo movimento e começaram a adaptar-se. No entanto, a maioria dos esquerdistas «básicos» não o entendeu e continua a agarrar-se a modelos e retórica antigos e esgotados que já não reflectem a forma como as coisas mudaram.
Enquanto tomam os seus cafés espressos, as abastadas elites liberais da esquerda continuam à procura de massas oprimidas para apoiar. Estão presas a guiões ultrapassados e demasiado gastos para serem recuperados. Dizem que falam «em nome do povo», mas mal sabem associar-se a ele.
Enfoque errado
As narrativas da esquerda raivosa sempre se centraram no ataque às estruturas de poder, com base na enganada ideia marxista de que tudo pode ser reduzido a poder e dinheiro. Dividem automaticamente a sociedade entre os que têm e os que não têm. Todos os problemas podem ser resolvidos tirando dinheiro aos que têm mais e desviando-o (sob a forma de financiamento governamental) para os que consideram ter pouco.
Desde os anos sessenta, a esquerda tem-se concentrado em infiltrar e conquistar as instituições do Poder: universidades, meios de comunicação social, indústria, cultura e governo. Teve um êxito enorme e utilizou o seu novo poder para redistribuir a riqueza e suprimir a direita. Porém, tem agora um problema pelo facto de se ter apoderado das instituições do Poder, pois ficou identificada com elas. Juntamente com o Poder, a esquerda assumiu também atitudes complacentes e burguesas.
Assim, a esquerda negligenciou o «proletariado» dos americanos comuns para assumir um perfil novo, mais «culto» e sofisticado, fazendo sopa de letras com causas do tipo LGBTQ associadas a políticas de identidade. A partir das suas posições de influência e controlo, começou a impor uma cultura de cancelamento [wokismo] a todos os que se lhe opunham.
Reacção à «cultura» do wokismo
Em resposta, a direita reagiu a esta opressão, assumiu a causa dos americanos que trabalham [working class, não woking class], propôs alternativas credíveis e ganhou eleições. Falou aos eleitores numa linguagem que eles compreenderam e reconheceu a sua importância.
No entanto, lá do alto das suas torres de marfim, dos estúdios de cinema e das suites das empresas, a resposta da esquerda à derrota eleitoral tem sido apenas o regresso à sua retórica cansada e gasta. A esquerda não percebeu que não dá para voltar à sua política de furiosa oposição ao establishment porque agora ela é esse establishment.
O establishment de esquerda está desligado da realidade e hipnotizado por uma realidade alternativa. Para ser franco, em termos eleitorais de 2024, a esquerda agora só se representa a si própria, não a nós.
Regresso à cultura
Deste modo, os conservadores conseguiram deslocar o debate do campo económico para o cultural. A esquerda, portanto, só conseguirá voltar a propor algo credível no campo económico quando se reconectar à cultura. David Brooks lembrou que «A esquerda não conseguirá ser ouvida enquanto não acertar nas grandes questões morais: fé, família, bandeira, respeito pelas pessoas de todas as classes sociais».
Por outras palavras, o que Brooks está a dizer é que se a esquerda quiser voltar a ganhar, tem de deixar de ser a esquerda contestatária de ontem. Neste movimento histórico de ressentimento e desconfiança, a esquerda tornou-se alvo fácil de abater para um exército de eleitores esquecidos e magoados.
A única maneira de os apaziguar está numa mudança. A esquerda tem de falar aos eleitores numa linguagem suave, tranquilizadora e patriótica para ganhar a confiança do homem da rua. Os seus radicais precisam de suavizar o seu discurso e o seu vocabulário. Têm de comer menos torradas de abacate orgânico e mais tarte de maçã.
A esquerda tem de controlar os seus activistas que injustamente correm muito à frente de um público que só quer normalidade, como sucede com os atletas trans. Tem de fazer com que os seus pseudo-campeões devolvam os troféus que ganharam indevidamente.
Claro que uma mudança tão dramática equivale a atirar para debaixo do autocarro os comparsas corruptos dos sindicatos, os que odeiam as fronteiras, os que abraçam as árvores e os que não financiam a polícia.
Brooks argumenta que o domínio de tais contradições é a condição necessária para a esquerda navegar na «mudança tectónica» que se avizinha.
É por isso que a esquerda está em grandes apuros. Para sobreviver tem de reconfigurar o seu ADN. O partido nascido da raivosa contestação e que se alimenta de paixões desenfreadas, tem agora de se tornar lite. É um desafio existencial. Brooks pede à esquerda que crie uma nova identidade e uma grande narrativa, o que «levará décadas».
Esta nova imagem que Brooks prescreve como remédio vai deixar muitos esquerdistas zangados. Não só não vêem necessidade de mudar, como também não sabem como o fazer. Eles vão voltar ao seu velho discurso dos chavões marxistas. A esquerda não consegue entender por que razão David Brooks diz que, no auge do poder, tendo pleno domínio das instituições e acreditando ser vitoriosa, deve «pensar de novo».
O que Brooks não mencionou é que a raiva dos radicais pode transformar-se em desespero quando eles finalmente perceberem que a esquerda não tem nada de novo a pensar.
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Fonte: American TFP